ÓRGÃOS DE SOBERANIA OU CONTRA PODER
O país tem assistido desde que o Governo de José Sócrates começou a tomar decisões, a um conjunto de manifestações e acções de contestação às medidas fruto dessas mesmas decisões. Até aqui nada de anormal em democracia: a Associação Nacional de Farmácias tem o direito legítimo de contestar a liberalização da venda de medicamentos sem receita médica, mesmo quando isso permite um acesso mais democrático aos mesmos, os professores têm o direito de reinvidicar menos horas de trabalho, mesmo quando isso atenta contra os interesses dos alunos, as forças policiais têm o direito de defender um sub sistema de saúde próprio, mesmo quando ele é manifestamente diferente do da generalidade dos cidadãos, os funcionários públicos têm o direito de lutar contra o aumento da idade de reforma, mesmo quando isso é motivo de desigualdade com os demais trabalhadores do sector privado.
Todas estas lutas são legítimas aos olhos do direito e a indignação é algo que se deve exprimir desde que respeitadas as regras democráticas.
O que já parece abusivo é que órgãos de soberania procedam segundo a mesma lógica. Vem isto a propósito, do manifesto braço de ferro que os magistrados deste país resolveram encetar com o Governo desde o dia em que o executivo anunciou a obrigatoriedade do gozo das férias judiciais em trinta dias. Não vou aqui, fazer uma abordagem técnica da matéria ou mesmo se esta medida é ou não exequível. Deixo essa análise para os especialistas. O que importa aqui analisar neste momento é se é razoável ou não um órgãos de soberania encetar "formas de luta" de cariz sindical. Ver juízes fazer greve, greve de zelo aos horários ou mesmo ameaças em relação a medidas que o governo possa tomar na Justiça e que bem ou mal visam devolvê-la aos cidadãos é algo contraditório com a qualidade de menbros de um órgão de soberania.
Numa época em que cada vez mais a Justiça parece ter dois pesos e duas medidas, consoante se dirija a ricos ou a pobres, este tipo de luta dos magistrados denota a intransigente defesa de interesses corporativos que há muito deviam estar arreados da sociedade portuguesa. A Justiça vai mal, está cara, está lenta e não defende a esmagadora maioria da população portuguesa. Os tempo são de crise, o esforço de recuperação tem de ser de todos e os magistrados enquanto órgãos de soberania têm a obrigação da solidariedade institucional, não podendo comportar-se como meros assalariados do estado ou mesmo como contra poder.
A indignação, a essa também têm direito. Não devem ou não podem é exprimi-la da mesma forma que um sindicato, numa qualquer luta sindical.
A Justiça é um assunto demasiado sério e se chegou ao estado em que está, isso deve-se também aos senhores magistrados que sendo parte interessada, não puderam ou não quiseram fazer nada para melhorá-la, nomeadamente propondo à Tutela medidas de reorganização e de modernização tendentes a acelerar a realização de julgamentos, a modernizar o Código do processo penal e em última análise, aplicar a lei segundo padrões que se revissem no sentimento das pessoas que deveriam , antes de mais, servir.
Senhores Magistrados, para além da defesa dos interesses da classe, nunca devem esquecer que a Justiça deve ser sempre feita com e para os cidadãos.
Crónica publicada no jornal regional "Povo da Beira" no dia 22 de Fevereiro de 2006
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