O DESLIZE
Em entrevista ao Jornal de Notícias, o candidato presidencial Cavaco Silva reafirma uma enormidade de coisas já ditas e reditas e comete o seu primeiro grande deslize ao sugerir a criação de uma Secretaria de Estado para "fazer a lista de todas as empresas estrangeiras e, de vez em quando, falar com cada uma delas para indagar sobre problemas com que se defrontem".
Esta concepção mais paternalista e saloia do estado é tanto mais grave quanto é acompanhada da afirmação, a uma pergunta do jornalista sobre ae iria propô-la ao governo, "já estou a propor aqui".
Cavaco demonstra com estas palavras e com a negação posterior das mesmas, uma enorme falta de sentido de Estado, para além de manifestar uma abusiva leitura dos poderes constitucionais do Presidente da República. Para quem tem tentado vender a ideia que os conhece e que iria respeitá-los, caso fosse eleito, esta escorregadela só vem confirmar ou reforçar que a personalidade deste homem está mais identificada com o que é um primeiro ministro do que um Presidente à luz da nossa Constituição.
Ou será que por trás de um discurso cauteloso estão afinal outras ideias que se têm tentado esconder do conhecimento dos portugueses? Aliás na referida entrevista Cavaco denota saber mal as regras ou sabendo-as admite descaradamente não as respeitar ou pervertê-las ao assumir uma postura de ingerência no foro governativo, numa concepção clara da Presidência como ponto central do poder executivo.
Ao afirmar "Quero com isso lembrar que é o presidente que promulga as leis. E está atento a se ela pode, ou não, ferir orientações fundamentais relacionadas com o interesse nacional. Mas não utilizarei os meus poderes como arma de arremesso", Cavaco está a propor-se conduzir a política governativa. Tudo o que não encaixar naquilo que for o seu entendimento do interesse nacional, será chumbado e reprovado.
Poderá, quanto muito, permitir ao primeiro ministro a possibilidade de o convencer de que as políticas do Governo e asiniciativas legislativas, afinal são do interesse nacional.
Senhor professor Cavaco Silva, não seria muito mais honesto que, de uma vez por todas, assumisse que deseja imprimir ao funcionamento das instituições políticas uma deriva presidencialista?
Até ao dia das eleições é tempo para clarificar posições. No dia 22 de Janeiro os portugueses, estou certo, saberão fazer uma leitura correcta de tudo o que está em jogo nesta eleição presidencial e farão mais uma vez a escolha que melhor servir Portugal.
Crónica publicada no semanário "Povo da Beira" de Castelo Branco no dia 3 de Janeiro de 2006